quinta-feira, 14 de abril de 2016

Um homem de Sorte (capítulo II)



O átrio do Hospital de S. Francisco Xavier tornou-se a segunda casa de Sara Tainha.
  

ON THE ROAD AGAIN
Após ter perdido as duas pernas em dois acidentes de viação, Manuel Perpétuo tornara-se uma pequena celebridade no seu prédio. Os vizinhos gabavam-lhe a sorte de ter escapado com vida e com sequelas relativamente tão pequenas (perdera um membro inferior em cada acidente). Mas a história estava longe do fim...
O dia estava chuvoso e frio. A ponte de Vila Franca baloiçava sob as rajadas do vento agreste da lezíria, e os habituais engarrafamentos começavam na Castanheira do Ribatejo. Manuel Perpétuo sentiu uma premente vontade de urinar, e, entre parar e enfrentar a intempérie, e valer-se de uma garrafa de plástico que tinha à mão, a escolha não foi difícil.
Infelizmente, perdeu o controlo da viatura e despenhou-se num talude de 12 metros. Mas, mais uma vez, a sorte esteve com ele. A frente totalmente danificada do seu carro não deixaria adivinhar que tivesse escapado com vida e com consequências físicas relativamente pequenas - perdeu apenas um braço!
No tejadilho do carro acidentado, a garrafa de urina que motivou o despiste.

NÃO HÁ DUAS SEM TRÊS
"Não há duas sem três", diz o ditado. Mas neste caso não há três sem quatro.  Depois do seu terceiro acidente,  já não era uma questão de "se" aconteceria um próximo, mas de "quando" seria o próximo.
A atenção da Imprensa, de resto, já estava sobre Manuel Perpétuo. Numa peça para a CM-TV, Sara Carrilho chamara-lhe o "Gato Humano". Não porque tivesse bigodes, ou urinasse em caixas de serradura, mas porque aparentemente possuía um suprimento quase inesgotável de vidas, como os Super Mario Brothers.
E quis o destino que fosse em Fevereiro (o mês dos gatos) que Manuel Perpétuo tivesse o seu quarto acidente. O piso estava escorregadio da chuva de Fevereiro, e a condução sem pernas e apenas com um braço, não é das mais fáceis, mesmo num carro adaptado. Uma travagem de emergência, aquaplaning, peões no asfalto, e um carro a embater com estrondo nas guardas do viaduto.


 O aparato do acidente atraiu a televisão, a polícia e os bombeiros...


DE VITÓRIA EM VITÓRIA!
Viveram-se momentos de euforia no prédio de Manuel Perpétuo em Alhos Vedros, quando se soube que, mais uma vez e por incrível que pareça, o "Gato Humano" saíra ileso. 

O átrio do Hospital de S. Francisco Xavier tornou-se a segunda casa da repórter Sara Tainha, da CMTV, a primeira estação de televisão a dar a notícia de que Manuel Perpétuo finalmente tivera alta, após dois dias de internamento, e tendo perdido apenas um braço. O membro que lhe restava.
No estúdio: Sara Carrilho dando a notícia  de  mais uma vitória sobre a morte.

 UM HOMEM COMUM, APESAR DE TUDO...
Na janela da sua marquise envidraçada, no seu apartamento da Rua 5 de Outubro, em Alhos Vedros, Manuel Perpétuo, com o braço por cima (figurativamente) do ombro da sua Esposa,  aprecia o serenamente o desfile de Carnaval. Ser o homem mais afortunado de Alhos Vedros não lhe subiu à cabeça. "Podia acontecer a qualquer outro" - diz, com um sorriso humilde.
Quanto a ter ficado sem braços e sem pernas, diz que "prefere  ver o copo meio cheio": "Escapei com vida a quatro acidentes horríveis, e isso é que conta!". "Afinal" - continua - "comparativamente com uma pessoa dita normal, tenho apenas menos quatro membros".

"Em comparação com os cinco habituais!" - graceja - "Se se tratar de uma pessoa do sexo masculino." - acrescenta.

"E o membro que me resta funciona bem, e compensa os que perdi. Além disso, a Anabela gosta de ficar por cima..." - completa, piscando o olho e dando uma palmada amigável  (figurativamente) no traseiro da companheira. Não conseguimos reprimir uma gargalhada divertida.
 
Um aspecto do Carnaval de Alhos Vedros 

"A fama não me subiu à cabeça" - confessa - "continuo com os pés bem assentes na terra".
E é com um sorriso de modéstia e felicidade que nos convida a tomar o elevador e descermos à garagem do prédio, onde está estacionado o novo carro que a companhia de seguros lhe forneceu (o quinto, em pouco mais de 6 meses).
Decidimos fazer um passeio pelos arredores. Manuel Perpétuo mete a chave na ignição com os dentes, e é com os dentes que arranca, fazendo chiar os pneus novos no cimento liso da garagem.  
Na famosa recta de Pegões, alcançamos com facilidade os 220 km/hora. À beira da estrada, dezenas de simpáticas raparigas cumprimentam familiarmente o homem do momento. Um fenómeno de popularidade!
A condução de Manuel Perpétuo é precisa e segura. Estamos tranquilos. Estamos em boas mãos.
 
Manuel Perpétuo conduzindo com os dentes. 
- No próximo capítulo: Manuel Perpétuo tem novo acidente e fica cego.

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